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ACÓRDÃO Nº. 162/2019

brasao paraiba
ESTADO DA PARAÍBA
SECRETARIA DE ESTADO DA RECEITA

PROCESSO Nº 0584102016-1
SEGUNDA CÂMARA DE JULGAMENTO
Recorrente: IVO NUNES OLIVEIRA
Recorrida: GERÊNCIA EXECUTIVA DE JULGAMENTO DE PROCESSOS FISCAIS - GEJUP
Repartição Preparadora: UNIDADE DE ATENDIMENTO AO CIDADÃO DA SER - MAMANGUAPE
Autuante: VERA LUCIA BANDEIRA DE SOUZA
Relator: CONS.º SIDNEY WATSON FAGUNDES DA SILVA.

DECADÊNCIA – PRELIMINAR NÃO ACOLHIDA – FALTA DE RECOLHIMENTO DO ICMS – SIMPLES NACIONAL - INFRAÇÃO CARACTERIZADA – AJUSTE DA PENALIDADE PROPOSTA – APLICAÇÃO DO PERCENTUAL ESTABELECIDO NOS ARTIGOS 16, I, DA RES. CGSN Nº 30/2008 E 87, I, DA RES. CGSN Nº 87/2011 – OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS –– CONTA MERCADORIAS – INAPLICABILIDADE DA TÉCNICA PARA CONTRIBUINTES DO SIMPLES NACIONAL – IMPROCEDÊNCIA DA ACUSAÇÃO – REFORMADA, DE OFÍCIO, A DECISÃO RECORRIDA – AUTO DE INFRAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE – RECURSO VOLUNTÁRIO DESPROVIDO

- A identificação da existência de valores tributáveis informados nas GIM do contribuinte e não oferecidas à tributação do Simples Nacional impõe a necessidade de lançamento de ofício. Ajuste da penalidade proposta, uma vez não confirmada a ocorrência de nenhuma das condutas autorizativas da aplicação dos artigos 16, II, da Res. CGSN nº 30/2008 e 87, II, da Res. CGSN nº 94/2011.

- A técnica da Conta Mercadorias – Lucro Presumido não é aplicável para contribuinte do Simples Nacional, uma vez que o arbitramento de lucro bruto se evidencia incompatível e em total dissonância com o que estabelece a Lei Complementar nº 123/06. O contribuinte enquadrado como Simples Nacional possui características e regramento próprios, o que o coloca em situação especial, não permitindo a utilização de margem de lucro presumido para fins de surgimento da presunção juris tantum de omissão de receitas.

Vistos, relatados e discutidos os autos deste Processo, etc...

 

 

A C O R D A M os membros da Segunda Câmara de Julgamento deste Conselho de Recursos Fiscais, à unanimidade e de acordo com o voto do  relator, pelo recebimento do recurso voluntário, por regular e tempestivo e, quanto ao mérito, pelo seu desprovimento, contudo, em observância ao princípio da legalidade, reformo, de ofício, a decisão singular e julgo parcialmente procedente o Auto de Infração nº 93300008.09.00000561/2016-11, lavrado em 28 de abril de 2016 em desfavor da empresa IVO NUNES OLIVEIRA, condenando-a ao pagamento do crédito tributário no valor total de R$ 620,27 (seiscentos e vinte reais e vinte e sete centavos), sendo R$ 354,44 (trezentos e cinquenta e quatro reais e quarenta e quatro centavos) de ICMS, por infringência ao artigo 106, VIII, do RICMS/PB e R$ 265,83 (duzentos e sessenta e cinco reais e oitenta e três centavos) a título de multa por infração, com fulcro nos artigos 16, I, da Res. CGSN nº 30/2008; 87, I, da Res. CGSN nº 94/2011.

Ao tempo que cancela, por indevido, o total de R$ 318.207,93 (trezentos e dezoito mil, duzentos e sete reais e noventa e três centavos), sendo R$ 158.971,05 (cento e cinquenta e oito mil, novecentos e setenta e um reais e cinco centavos) de ICMS e R$ 159.236,88 (cento e cinquenta e nove mil, duzentos e trinta e seis reais e oitenta e oito centavos) de multa.

 

P.R.I

  

Segunda Câmara de Julgamento, Sala das Sessões Pres. Gildemar Pereira de Macedo, em 05 de abril de 2019.

  

                                                           SIDNEY WATSON FAGUNDES DA SILVA
                                                                            Conselheiro Relator

 
 

                                                       GIANNI CUNHA DA SILVEIRA CAVALCANTE
                                                                               Presidente
 

 

Participaram do presente julgamento os membros da Segunda Câmara de Julgamento, DAYSE ANNYEDJA GONÇALVES CHAVES, MAIRA CATÃO DA CUNHA CAVALCANTI SIMÕES e PETRONIO RODRIGUES LIMA. 

  

                                                     FRANCISCO GLAUBERTO BEZERRA JÚNIOR
                                                                         Assessor Jurídico

Trata-se de recurso voluntário, interposto nos moldes do artigo 77 da Lei nº 10.094/2013, contra decisão monocrática que julgou procedente o Auto de Infração de Estabelecimento nº 93300008.09.00000561/2016-11 (fls. 3), lavrado em 28 de abril de 2016 contra a empresa IVO NUNES OLIVEIRA, inscrição estadual nº 16.112.658-8, no qual constam as seguintes acusações, ipsis litteris:

 

0497 – FALTA DE RECOLHIMENTO DO ICMS >> Contrariando dispositivos legais, o optante do Simples Nacional deixou de recolher o ICMS.

 

Nota Explicativa:

- CONFORME PLANILHA: DEMONSTRATIVO DO ICMS DEVIDO, ANEXA.

 

0352 – OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS – CONTA MERCADORIAS >> Contrariando dispositivos legais, o contribuinte optante do Simples Nacional omitiu saídas de mercadorias tributáveis, resultando na falta de recolhimento do ICMS. Irregularidade esta detectada através de levantamento da Conta Mercadorias.

 

Nota Explicativa:

- CONFORME DEMONSTRATIVO CONTA MERCADORIAS EM ANEXO.

 

Em decorrência destes fatos, a representante fazendária, considerando haver o contribuinte afrontado o disposto nos artigos 106, VIII; 158, I; 160, I, todos do RICMS/PB c/ fulcro nos artigos 9º e 10 da Res. CGSN nº 030/2008 e/ou 82 e 84 da Res. CGSN nº 094/2011, lançou um crédito tributário na quantia total de R$ 318.828,20 (trezentos e dezoito mil, oitocentos e vinte e oito reais e vinte centavos), sendo R$ 159.325,49 (cento e cinquenta e nove mil, trezentos e vinte e cinco reais e quarenta e nove centavos) de ICMS e R$ 159.502,71 (cento e cinquenta e nove mil, quinhentos e dois reais e setenta e um centavos) a título de multas por infração, com fulcro nos artigos 16, II, da Res. CGSN nº 030/2008 e/ou 87, II, da Res. CGSN nº 094/2011 e 82, V, “a”, da Lei nº 6.379/96.

Além da peça acusatória, a fiscalização trouxe aos autos os seguintes documentos:

a)      Ordem de Serviço Normal nº 93300008.12.00000266/2016-15 (fls. 4 a 8);

b)      Termo de Início de Fiscalização nº 93300008.13.00000098/2016-30 (fls. 9 e 10);

c)      Notificação nº 00020181/2016 (fls. 11);

d)     Termo de Antecedentes Fiscais (fls. 12);

e)      Demonstrativos do ICMS devido relativos aos exercícios de 2011 e 2012 (fls. 13 e 14, respectivamente);

f)       Levantamentos das Contas Mercadorias de 2011 e 2012 (fls. 15 e 16, respectivamente);

g)      Levantamentos Financeiros de 2011 e 2012 (fls. 17 e 18, respectivamente).

 

Depois de cientificada por via postal em 27 de maio de 2016 (fls. 19), a autuada, por intermédio de seu representante legal, apresentou impugnação tempestiva contra os lançamentos dos créditos tributários consignados no Auto de Infração em análise (fls. 21 a 24), protocolada em 27 de junho de 2016, por meio da qual afirma, em síntese, que[1]:

a)      Os valores relativos ao estoque final do exercício de 2010 não poderiam ter sido utilizados na Conta Mercadorias de 2011, uma vez que aquele exercício já teria sido alcançado pela decadência;

b)      Foram anexadas cópias das Contas Mercadorias de 2011 e 2012, com planilha de cálculo do estoque final e resumo por CFOP de entradas e de saídas de mercadorias referentes aos lançamentos de notas fiscais nos Livros Registro de Entradas e de Saídas.

 

Diante destas alegações, a defesa requereu a redução da penalidade imputada.

Com a informação de inexistência de antecedentes fiscais (fls. 12), foram os autos conclusos (fls. 64) e remetidos à Gerência Executiva de Julgamento de Processos Fiscais, tendo sido distribuídos à julgadora fiscal Eliane Vieira Barreto Costa, que decidiu pela procedência da exigência fiscal, nos termos da seguinte ementa:

 

PRELIMINAR DE DECADÊNCIA REJEITADA – FALTA DE RECOLHIMENTO DO ICMS – OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS – CONTA MERCADORIA – DENÚNCIA COMPROVADA

- Inexistência de decadência sobre os fatos apurados pela fiscalização.

- Inexistência, nos autos, de documentação comprobatória da regularidade das operações realizadas pela Autuada capaz de produzir o efeito impeditivo da constituição do crédito tributário lançado no Auto de Infração.

AUTO DE INFRAÇÃO PROCEDENTE

 

Cientificada da decisão proferida pela instância prima em 30 de abril de 2018 e inconformada com os termos da sentença, a defesa apresentou, em 30 de maio de 2018, recurso voluntário tempestivo ao Conselho de Recursos Fiscais do Estado da Paraíba, por meio do qual assevera que:

a)      Não apresentou alegações quanto à falta de recolhimento do ICMS referente aos meses de junho e setembro de 2011 e fevereiro e abril de 2012, por entender que, no sistema, já constava a retificação das saídas nos exercícios de 2011 e 2012, conforme atestam os extratos do Simples Nacional juntados às fls. 94, 95, 101, 102 e 105 a 113;

b)      O estoque de 2010 não poderia ter sido utilizado na Conta Mercadorias, uma vez que este período já fora alcançado pela decadência;

c)      Deve-se observar as retificações constantes no extrato do Simples Nacional para efeito de análise das Contas Mercadorias;

d)     Em 2011, as revendas de mercadorias com tributação normal totalizaram R$ 529.981,35 (quinhentos e vinte e nove mil, novecentos e oitenta e um reais e trinta e cinco centavos) e as operações de vendas com mercadorias com substituição tributária, R$ 89.077,47 (oitenta e nove mil, setenta e sete reais e quarenta e sete centavos). Na retificação do PGDAS, apurado em 8/3/12, houve as seguintes alterações: i) a revenda de mercadorias com tributação normal importou em R$ 694.743,43 (seiscentos e noventa e quatro mil, setecentos e quarenta e três reais e quarenta e três centavos); ii) revenda de mercadorias sujeitas à substituição tributária no montante de R$ 116.683,14 (cento e dezesseis mil, seiscentos e oitenta e três reais e catorze centavos). Refazendo os cálculos do estoque final e da Conta Mercadorias, evidencia-se a inexistência de diferença de ICMS a recolher;

e)      Quanto ao exercício de 2012, as revendas de mercadorias com tributação normal somaram R$ 646.953,13 (seiscentos e quarenta e seis mil, novecentos e cinquenta e três reais e treze centavos), enquanto que as operações de vendas de produtos com substituição tributária representou a quantia de R$ 163.784,28 (cento e sessenta e três mil, setecentos e oitenta e quatro reais e vinte e oito centavos). Após retificação do PGDAS, apurado em 18/2/13, as referidas operações totalizaram R$ 786.151,45 (setecentos e oitenta e seis mil, cento e cinquenta e um reais e quarenta e cinco centavos) e R$ 132.037,45 (cento e trinta e dois mil, trinta e sete reais e quarenta e cinco centavos). Feitos os devidos ajustes na Conta Mercadorias, não há mais diferença tributável a ser exigida.

 

Com fundamento nas razões acima expostas, a recorrente requer o cancelamento da penalidade imputada.

Remetidos ao Conselho de Recursos Fiscais, foram os autos distribuídos a esta relatoria, segundo os critérios regimentais, para apreciação e julgamento.

Eis o relatório.

 

VOTO

 

A matéria em apreciação versa sobre as seguintes denúncias formalizadas contra a empresa IVO NUNES DE OLIVEIRA: a) falta de recolhimento do ICMS nos meses de junho e setembro de 2011 e fevereiro e abril de 2012 e b) omissões de saídas de mercadorias tributáveis, identificadas nos levantamentos das Contas Mercadorias dos exercícios de 2011 e 2012.

Antes de adentrarmos no mérito, necessário se faz discorrermos acerca da preliminar de decadência arguida pela recorrente.

A tese apresentada pela autuada visa ao afastamento do valor relativo ao estoque de 2010 na Conta Mercadorias, uma vez que, para a defesa, este período já não mais poderia ser objeto de exigência fiscal por haver sido alcançado pela decadência.

A esse respeito, tem-se como certo que o ato administrativo do lançamento tributário tem a função de promover a constituição do crédito tributário. Assim, de acordo com a melhor doutrina, o referido lançamento tem natureza jurídica mista, sendo declaratória da existência da obrigação tributária, ao mesmo tempo em que é constitutivo do crédito.

Ocorre que, para conferir segurança jurídica na relação entre sujeitos ativo e passivo, a lei também impõe limites a regulamentar a atividade administrativa do lançamento tributário, sendo uma delas a decadência, afastando a possibilidade de que essa relação jurídica seja ad aeternum. Por isso, submete-se aos efeitos decorrentes da inércia prolongada, tendo em vista o ato de lançar constituir-se, a um só tempo, um direito e um dever pertencentes ao sujeito ativo.

Em relação ao ICMS, como este se submete ao chamado lançamento por homologação, o que ocorre é que, havendo inércia do sujeito ativo na constituição do crédito tributário, ocorrendo o pagamento, opera-se a homologação tácita do pagamento realizado, ainda que efetivado a menor.

Amparada a essa homologação tácita, em razão do decurso do prazo definido em lei, incidem os efeitos da decadência, um dos quais afetando o direito de rever o dito recolhimento antecipado por meio de lançamento de ofício. Portanto, ocorrem dois fenômenos distintos a um só tempo: primeiro, a homologação tácita do pagamento eventualmente realizado; segundo, a impossibilidade da revisão da quitação efetivada, ainda que de forma incorreta.

Analisando o aspecto da data inicial para a contagem dos prazos, vê-se que haverá a incidência do art. 150, § 4º, do CTN nos casos em que houver pagamento antecipado, promovido pelo contribuinte, conforme se conclui da exegese do dispositivo abaixo transcrito:

 

Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.

(...)

§ 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.

 

Este comando também se encontra positivado no artigo 22, § 3º, da Lei nº. 10.094/13:

 

 

Art. 22. Os prazos de decadência e prescrição obedecerão ao disposto na legislação específica de cada tributo, respeitadas as regras do Código Tributário Nacional.

§ 1º A decadência deve ser reconhecida e declarada de ofício.

§ 2º Aplica-se o prazo decadencial previsto no § 4º do art. 150 do Código Tributário Nacional aos casos de lançamento por homologação.

§ 3º Na hipótese de tributo sujeito a lançamento por homologação, em que o contribuinte tenha realizado a entrega de declaração de informações fiscais, à Fazenda Estadual, ou tenha realizado recolhimento a menor do que o declarado, o prazo decadencial será de 5 (cinco) anos, contado exatamente da data da ocorrência do fato gerador.

 

Por outro lado, não ocorrendo nenhuma das hipóteses do § 3º do art. 22 da Lei nº. 10.094/13, não haverá substrato a ser homologado, motivo pelo qual o prazo inicial será aquele disposto no art. 173, I, do Código Tributário Nacional:

 

Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:

I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;

 

Destarte, ao analisar o caso concreto, conclui-se que, em relação à denúncia de FALTA DE RECOLHIMENTO DO ICMS, a contagem do prazo decadencial segue a regra estabelecida no artigo 150, § 4º, do CTN, enquanto que, para a acusação de OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS – CONTA MERCADORIAS, impõe-se o reconhecimento de que, por se tratar de uma presunção de que a empresa adquiriu mercadorias com recursos advindos de omissões de saídas pretéritas de mercadorias tributáveis sem pagamento do imposto devido, o prazo decadencial a ser considerado é aquele previsto no art. 173, I, do CTN, pois, inexistindo a informação acerca de vendas omitidas, não há o que ser homologado pelo Fisco.

No primeiro caso, considerando que a ciência do Auto de Infração operou-se em 27 de maio de 2016, é certo que os períodos consignados na denúncia[2] podem ser exigidos pelo Fisco, haja vista estarem dentro do prazo estabelecido no artigo 150, § 4º, do CTN.

Quanto à segunda denúncia, merece destaque o fato de que não se está a exigir do contribuinte nenhum crédito tributário relativo ao exercício de 2010. A Conta Mercadorias - é necessário que destaquemos - fora elaborada a partir de informações relativas aos exercícios de 2011 e 2012, ou seja, ao alocar valores às rubricas dos referidos demonstrativos, a fiscalização utilizou-se dos estoques (inicial e final), aquisições e saídas de mercadorias ocorridas em 2011 e em 2012.

Repise-se: a peça acusatória não contempla qualquer crédito tributário atinente ao ano de 2010. Fazendo-se a contagem do prazo decadencial com base no que dispõe o artigo 173, I, do CTN, a Fazenda Estadual poderia lançar o crédito tributário até o dia 31 de dezembro de 2016. Não há, portanto, que se falar em decadência.

Superada a preliminar arguida pela defesa, passemos ao mérito.

A primeira denúncia fora formulada a partir da constatação, por parte da fiscalização, da existência de algumas diferenças entre o total do ICMS devido e o valor declarado pelo contribuinte no PGDAS-D.

As diferenças verificadas estão apresentadas às fls. 13 e 14 dos autos.

Na impugnação, a defesa se manteve silente quanto à acusação, o que levou a julgadora singular, de forma acertada, a decidir pela manutenção do crédito tributário lançado, em observância ao que estabelece o artigo 69 da Lei nº 10.094/13:

 

Art. 69. A impugnação que versar sobre uma ou algumas das infrações ou lançamentos implicará no reconhecimento da condição de devedor relativo à parte não litigiosa, ficando definitivamente constituído o crédito tributário e, em caso de não recolhida até o término do respectivo prazo, à vista ou parceladamente, será lançada em Dívida Ativa, observado ainda o disposto no art. 33 desta Lei.

 

Na peça recursal, todavia, o contribuinte contesta expressamente a exigência tributária, enfatizando que deixara de impugná-la na instância a quo por entender que as retificações dos valores das saídas atestariam a regularidade de suas operações.

Em verdade, as informações prestadas pela empresa relativamente aos meses de julho e setembro de 2011 e fevereiro e abril de 2012 continuam divergindo daquelas consideradas pela fiscalização como valores tributáveis (vide planilhas às fls. 13 e 14).

O fato é que, nos levantamentos trazidos à baila pela auditoria, o valor tributável informado corresponde às vendas de mercadorias adquiridas ou recebidas de terceiros (CFOP 5.102), as quais foram declaradas pelo contribuinte nas Guias de Informações Mensais e enviadas à Secretaria de Estado da Receita da Paraíba[3].

Nas referidas declarações, o total destas vendas corresponde ao somatório das seguintes saídas:

 

Período

NF Saídas (R$)

Saídas Talão (R$)

Mapa Resumo ECF (R$)

Total (R$)

Jun/11

8.841,00

73.980,53

2.943,41

85.764,94

Set/11

13.300,00

15.693,82

25.365,38

54.359,20

Fev/12

0,00

16.809,73

35.320,14

52.129,87

Abr/12

8.551,20

0,00

37.184,36

45.735,56

 

Sendo assim, improcede a afirmação do contribuinte de que as retificações de suas declarações teriam afastado a diferença tributável apontada pela fiscalização. Ao contrário, os valores tributáveis inseridos nas planilhas fiscais foram extraídos das próprias declarações do contribuinte[4].

Importa observarmos que a multa proposta no Auto de Infração foi calculada considerando o percentual de 150% (cento e cinquenta por cento), nos termos dos artigos 16, II, da Res. CGSN nº 30/2008 e 87, II, da Res. CGSN nº 94/2011, contudo, ante a inexistência de elementos nos autos que comprovem a prática de sonegação, fraude ou conluio, entendo que, para o caso concreto, deve-se aplicar o percentual de 75% (setenta e cinco por cento), estabelecido no inciso I dos mesmos dispositivos[5]. Assim, procedendo aos ajustes, subsiste o seguinte crédito tributário:

 

 

Período

Valor Tributável (R$)

Alíq. Simples Nacional (%)

ICMS Devido (R$)

ICMS Recolhido (R$)

Diferença a Recolher (R$)

Multa (R$)

Total (R$)

jun/11

85.764,94

2,00

1.715,30

1.517,58

197,72

148,29

346,01

set/11

54.359,20

2,00

1.087,18

1.041,04

46,14

34,61

80,75

fev/12

52.129,87

2,00

1.042,60

958,02

84,58

63,43

148,01

abr/12

47.035,56

2,00

940,71

914,71

26,00

19,50

45,50

           

Passemos então à denúncia de omissão de saídas de mercadorias tributáveis – Conta Mercadorias, nos exercícios de 2011 e 2012.

A Conta Mercadorias – Lucro Presumido é uma técnica fiscal que se aplica aos casos em que o contribuinte não possui contabilidade regular, circunstância em que se arbitra o lucro de 30% (trinta por cento) sobre o Custo das Mercadorias Vendidas - CMV. Caso o valor das vendas seja inferior ao CMV acrescido deste lucro, a legislação tributária estadual autoriza a fiscalização a lançar mão da presunção de que houve saídas de mercadorias tributáveis sem pagamento do imposto.

Esta conduta conduz à presunção de que o contribuinte realizou saídas de mercadorias tributáveis sem o pagamento do imposto correspondente, nos termos do que dispõem os artigos 3º, § 9º, da Lei nº 6.379/96; 643, § 4º, II e 646 do RICMS/PB, in verbis:

 

Lei nº 6.379/96:

 

Art. 3º O imposto incide sobre:

(...)

§ 8º O fato de a escrituração indicar insuficiência de caixa e bancos, suprimentos a caixa e bancos não comprovados ou a manutenção no passivo de obrigações já pagas ou inexistentes, bem como a ocorrência de entrada de mercadorias não contabilizadas ou de declarações de vendas pelo contribuinte em valores inferiores às informações fornecidas por instituições financeiras e administradoras de cartões de crédito, autorizam a presunção de omissão de saídas de mercadorias tributáveis ou de prestações de serviços sem o recolhimento do imposto, ressalvada ao contribuinte a prova da improcedência da presunção.

§ 9º A presunção de que cuida o § 8º, aplica-se, igualmente, a qualquer situação em que a soma dos desembolsos no exercício seja superior à receita do estabelecimento, levando-se em consideração os saldos inicial e final de caixa e bancos, assim como a diferença tributável verificada no levantamento da Conta Mercadorias, quando do arbitramento do lucro bruto ou da comprovação de que houve saídas de mercadorias de estabelecimento industrial em valor inferior ao Custo dos Produtos Fabricados ou Vendidos, conforme o caso.

RICMS/PB:

 

Art. 643. No interesse da Fazenda Estadual, será procedido exame nas escritas fiscal e contábil das pessoas sujeitas à fiscalização, especialmente no que tange à exatidão dos lançamentos e recolhimento do imposto, consoante as operações de cada exercício.

 

(...)

 

§ 3º No exame da escrita fiscal de contribuinte que não esteja obrigado ao regime de tributação com base no lucro real e tenha optado por outro sistema de apuração de lucro, nos termos da legislação do Imposto sobre Renda e Proventos de Qualquer Natureza, será exigido livro Caixa, com a escrituração analítica dos recebimentos e pagamentos ocorridos em cada mês.

 

Nova redação dada ao § 3º do art. 643 pelo art. 1º do Decreto nº 32.718/12 (DOE de 25.01.12).

 

§ 3º No exame da escrita fiscal de contribuinte que não mantenha escrituração contábil regular devidamente registrada na Junta Comercial, será exigido o livro Caixa, devidamente autenticado pela repartição fiscal do domicílio do contribuinte, com a escrituração analítica dos recebimentos e pagamentos ocorridos em cada mês.

 

§ 4º Na hipótese do parágrafo anterior, como mecanismo de aferição no confronto fiscal, será obrigatório:

 

I - a elaboração de Demonstrativo Financeiro, onde deverão ser evidenciadas todas as receitas e despesas operacionais ou não operacionais, bem como considerada a disponibilidade financeira existente em Caixa e Bancos, devidamente comprovada, no início e o no final do período fiscalizado;

 

II - o levantamento da Conta Mercadorias, caso em que o montante das vendas deverá ser equivalente ao custo das mercadorias vendidas (CMV) acrescido de valor nunca inferior a 30% (trinta por cento) para qualquer tipo de atividade, devendo tal acréscimo satisfazer as despesas arroladas no Demonstrativo Financeiro de que trata o inciso anterior, deste parágrafo, sendo, ainda, vedada a exclusão do ICMS dos estoques, compras e vendas realizadas, prevalecendo tal exclusão apenas para aqueles que mantenham escrita contábil regular.

 

Nova redação dada ao § 4º do art. 643 pelo art. 1º do Decreto nº 32.718/12 (DOE de 25.01.12).

 

§ 4º Para efeito de aferição da regularidade das operações quanto ao recolhimento do imposto, deverão ser utilizados, onde couber, os procedimentos abaixo, dentre outros, cujas repercussões são acolhidas por este Regulamento:

 

I - a elaboração de Demonstrativo Financeiro, o qual deverá ser aplicado em estabelecimentos que comercializem apenas mercadorias tributáveis, onde deverão ser evidenciadas todas as receitas e despesas operacionais ou não operacionais, bem como considerada a disponibilidade financeira existente em Caixa e Bancos, devidamente comprovadas, no início e no final do período fiscalizado;

 

Nova redação dada ao inciso I do § 4º do art. 643 pelo art. 1º do Decreto nº 33.047/12 (DOE de 23.06.12).

 

I - a elaboração de Demonstrativo Financeiro, através do qual deverão ser evidenciadas todas as receitas e despesas, bem como considerada a disponibilidade financeira existente em Caixa e Bancos, devidamente comprovada, no início e no final do período fiscalizado;

 

II - o levantamento da Conta Mercadorias, caso em que o montante das vendas deverá ser equivalente ao custo das mercadorias vendidas (CMV) acrescido de valor nunca inferior a 30% (trinta por cento) para qualquer tipo de atividade, observado o disposto no inciso III do parágrafo único do art. 24.

 

(...)

 

Art. 646. O fato de a escrituração indicar insuficiência de caixa, suprimentos a caixa não comprovados ou a manutenção no passivo, de obrigações já pagas ou inexistentes, bem como a ocorrência de entrada de mercadorias não contabilizadas ou de declarações de vendas pelo contribuinte em valores inferiores às informações fornecidas por instituições financeiras e administradoras de cartões de crédito, autorizam a presunção de omissão de saídas de mercadorias tributáveis sem pagamento do imposto, ressalvada ao contribuinte a prova da improcedência da presunção.

 

Parágrafo único. A presunção de que cuida este artigo aplica-se igualmente a qualquer situação em que a soma das despesas, pagamentos de títulos, salários, retiradas, pró-labore, serviços de terceiros, aquisição de bens em geral e outras aplicações do contribuinte seja superior à receita do estabelecimento.

 

Nova redação dada ao art. 646 pelo art. 1º do Decreto nº 32.718/12 (DOE de 25.01.12).

 

Art. 646. O fato de a escrituração indicar insuficiência de caixa e bancos, suprimentos a caixa e bancos não comprovados ou a manutenção no passivo de obrigações já pagas ou inexistentes, bem como a ocorrência de entrada de mercadorias não contabilizadas ou de declarações de vendas pelo contribuinte em valores inferiores às informações fornecidas por instituições financeiras e administradoras de cartões de crédito, autorizam a presunção de omissão de saídas de mercadorias tributáveis ou de prestações de serviços sem o recolhimento do imposto, ressalvada ao contribuinte a prova da improcedência da presunção.

Parágrafo único. A presunção de que cuida este artigo aplica-se, igualmente, a qualquer situação em que a soma dos desembolsos no exercício seja superior à receita do estabelecimento, levando-se em consideração os saldos inicial e final de caixa e bancos, assim como a diferença tributável verificada no levantamento da Conta Mercadorias, quando do arbitramento do lucro bruto ou da comprovação de que houve saídas de mercadorias de estabelecimento industrial em valor inferior ao Custo dos Produtos Fabricados ou Vendidos, conforme o caso.

 

Nova redação dada ao art. 646 pelo art. 1º do Decreto nº 33.047/12 (DOE de 23.06.12).

 

Art. 646. Autorizam a presunção de omissão de saídas de mercadorias tributáveis ou a realização de prestações de serviços tributáveis sem o recolhimento do imposto, ressalvada ao contribuinte a prova da improcedência da presunção:

 

I – o fato de a escrituração indicar:

 

a) insuficiência de caixa;

 

b) suprimentos a caixa ou a bancos, não comprovados;

 

II – a manutenção no passivo de obrigações já pagas ou inexistentes;

 

III – qualquer desembolso não registrado no Caixa;

 

IV – a ocorrência de entrada de mercadorias não contabilizadas;

 

V – declarações de vendas pelo contribuinte em valores inferiores às informações fornecidas por instituições financeiras e administradoras de cartões de crédito.

 

Parágrafo único. A presunção de que cuida este artigo aplica-se, igualmente, a qualquer situação em que a soma dos desembolsos no exercício seja superior à receita do estabelecimento, levando-se em consideração os saldos inicial e final de caixa e bancos, bem como, a diferença tributável verificada no levantamento da Conta Mercadorias, quando do arbitramento do lucro bruto ou da comprovação de que houve saídas de mercadorias de estabelecimento industrial em valor inferior ao Custo dos Produtos Fabricados , quando da transferência ou venda, conforme o caso.

 

Por imperativo legal, a constatação desta omissão obriga o auditor fiscal a lançar, de ofício, o crédito tributário decorrente desta infração, tendo em vista a receita marginal originária das saídas omitidas afrontar o disciplinamento contido nos art. 158, I, e art. 160, I, ambos do RICMS/PB, os quais transcrevemos a seguir:

 

Art. 158. Os contribuintes, excetuados os produtores agropecuários, emitirão Nota Fiscal, modelos 1 ou 1-A, Anexos 15 e 16:

 

I - sempre que promoverem saída de mercadorias;

 

Art. 160. A nota fiscal será emitida:

 

I - antes de iniciada a saída das mercadorias;

 

Como forma de garantir efetividade ao comando insculpido nos dispositivos anteriormente reproduzidos, a Lei nº 6.379/96, em seu artigo 82, V, “a”, estabeleceu a penalidade aplicável àqueles que violarem as disposições neles contidas.

 

Art. 82. As multas para as quais se adotará o critério referido no inciso II, do art. 80, serão as seguintes:

 

(...)

 

V - de 100% (cem por cento):

 

a) aos que deixarem de emitir nota fiscal pela entrada ou saída de mercadorias, de venda a consumidor ou de serviço, ou as emitirem sem observância dos requisitos legais;

 

A presunção de que trata o artigo 646 do RICMS/PB, contudo, é relativa, cabendo ao contribuinte a prova da sua improcedência, conforme prevê a parte final do caput do referido artigo.

Valendo-se do seu direito à ampla defesa e ao contraditório, comparece aos autos a recorrente afirmando que o procedimento fiscal não deve prosperar, uma vez que deveriam ser observadas as retificações constantes no extrato do Simples Nacional.

Ocorre que os valores das saídas com tributação normal, indicados pela recorrente (R$ 694.743,43 e R$ 786.151,45, em 2011 e 2012, respectivamente), além de não corresponderem aos somatórios das informações por ele prestadas – seja por meio da GIM, seja nas declarações do Simples Nacional -, também não apontam quanto das saídas correspondem a vendas de mercadorias isentas.

Para melhor compreensão, fizemos um comparativo das operações relativas ao exercício de 2011, com as informações necessárias para elucidação do caso em análise, as quais estão detalhadas, por período, na planilha abaixo:

 

Exercício de 2011

PERÍODO

PGDAS

PLANILHA   FISCAL (FLS. 13)

GIM   (CFOP 5.102, EXCETO AS SAÍDAS ISENTAS)

TOTAL   INFORMADO PELO CONTRIBUINTE

jan

20.473,00

40.273,00

40.273,00

 

fev

12.487,00

12.487,00

12.487,00

 

mar

34.372,00

34.372,00

34.372,00

 

abr

60.051,60

60.051,60

14.100,00

 

mai

97.904,00

97.904,00

16.300,00

 

jun

75.878,85

85.764,94

82.821,53

 

jul

70.301,50

70.301,50

0,00

 

ago

79.320,00

79.320,00

17.682,00

 

set

52.052,00

54.359,20

28.993,82

 

out

46.980,75

46.980,75

8.800,00

 

nov

41.280,25

41.280,25

8.841,00

 

dez

46.636,00

46.636,00

0,00

 

Total

637.736,95

669.730,24

264.670,35

694.743,43

Ao ser considerado o montante de R$ 529.981,35 (quinhentos e vinte e nove mil, novecentos e oitenta e um reais e trinta e cinco centavos) e não R$ 264.670,35 (duzentos e sessenta e quatro mil, seiscentos e setenta reais e trinta e cinco centavos) como saídas com tributação normal, em verdade, o contribuinte teve suas vendas superavaliadas, o que acarretou a diminuição do crédito tributário no período.

Em relação às operações de 2012, o valor lançado para as saídas de mercadorias com tributação normal por vendas (CFOP 5.102) corresponde exatamente ao somatório informado nas GIM da autuada, ou seja, R$ 646.953,13 (seiscentos e quarenta e seis mil, novecentos e cinquenta e três reais e treze centavos). Também neste caso, não foram deduzidas as saídas com produtos isentos.

Apesar de não prosperarem os argumentos recursais, a denúncia em exame exige uma análise mais minuciosa e que precede a análise probatória.

Inicialmente, repiso que a acusação descrita no Auto de Infração teve, como fato motivador, a identificação de omissões de saídas de mercadorias tributáveis, detectadas pela fiscalização quando do levantamento das Contas Mercadorias relativas aos exercícios de 2011 e 2012.

Não podemos perder de vista que a LC nº 123/06, em seu artigo 34, não deixa dúvidas acerca da aplicação das presunções de omissão de receitas para contribuintes do Simples Nacional.

 

Art. 34.  Aplicam-se à microempresa e à empresa de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional todas as presunções de omissão de receita existentes nas legislações de regência dos impostos e contribuições incluídos no Simples Nacional.

 

Pois bem. A Lei Complementar nº 123/06, em seu artigo 13, § 1º, “f”, determina que, nas operações ou prestações desacobertadas de documento fiscal (omissão de receitas), seja aplicada a legislação tributária atribuída às demais pessoas jurídicas. A clareza do texto normativo não exige do hermeneuta maiores esforços interpretativos. Senão vejamos:

 

Art. 13.  O Simples Nacional implica o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes impostos e contribuições:

(...)

§ 1o O recolhimento na forma deste artigo não exclui a incidência dos seguintes impostos ou contribuições, devidos na qualidade de contribuinte ou responsável, em relação aos quais será observada a legislação aplicável às demais pessoas jurídicas:

(...)

XIII - ICMS devido:

(...)

f) na operação ou prestação desacobertada de documento fiscal; (g. n.)

 

O comando insculpido no dispositivo acima transcrito não deixa dúvidas quanto à necessidade de deslocamento da sistemática de apuração do ICMS para o regime geral quando o contribuinte, enquadrado como Simples Nacional, realiza quaisquer das condutas descritas no inciso XIII do § 1º do artigo 13, da Lei Complementar nº 123/2006.

É exatamente esta a regra adotada quando, por exemplo, o Simples Nacional atua como substituto tributário ou quando realiza uma operação de importação. Em todos estes casos (incluindo a conduta descrita no Auto de Infração), deve-se observar a legislação aplicável às demais pessoas jurídicas.

Ressalte-se que não estamos diante de um conflito aparente de normas, muito menos de aplicação de lei mais gravosa ao contribuinte. É o próprio princípio da especialidade (observância à LC nº 123/06) que impõe aos destinatários da norma a obrigatoriedade de observar as regras gerais, sempre que o contribuinte realizar uma conduta que se amolde perfeitamente às situações descritas no artigo 13, § 1º, XIII, da LC nº 123/06 (fenômeno da subsunção).

A matéria já fora analisada em diversas oportunidades por este Colegiado, que, de forma reiterada, vem decidindo acerca do afastamento da LC nº 123/06 nos casos em que se constate haver o contribuinte omitido saídas tributadas. Como exemplo, trazemos a ementa do Acórdão CRF n° 390/2013, da lavra do eminente Cons.º Rodrigo Antônio Alves Araújo, que assim dispõe:

 

RECURSO HIERÁRQUICO PARCIALMENTE PROVIDO - CARTÃO DE CRÉDITO – PRESUNÇÃO LEGAL DE OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTADAS - AJUSTES REALIZADOS NO PERCENTUAL DE MULTA – REFORMADA DECISÃO RECORRIDA – AUTO DE INFRAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE.

Quando as vendas de cartão de crédito declaradas pelo contribuinte são inferiores aos valores informados pelas administradoras de cartão de crédito e débito, surge a presunção legal de omissão de saídas de mercadorias tributáveis. “In casu”, o pagamento já realizado em face da notificação para recolhimento do ICMS teve por cerne a alíquota do simples nacional, cabendo a complementação do imposto em razão do novo critério da Secretaria de Estado da Receita, que determinou através da Instrução Normativa nº 009/2013/GSER a observância da legislação aplicável às demais pessoas jurídicas. Redução da multa em decorrência da Lei nº 10.008/2013.

 

Para demonstrar a perenidade deste entendimento na instância ad quem, reproduzo abaixo o recentíssimo Acórdão nº 91/2019, do ilustre Conselheiro Petrônio Rodrigues Lima:

 

OMISSÃO DE RECEITAS. LEVANTAMENTO FINANCEIRO. INFRAÇÃO CARACTERIZADA EM PARTE. SIMPLES NACIONAL. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL ÀS DEMAIS PESSOAS JURÍDICAS. MULTA RECIDIVA. INAPLICÁVEL. REINCIDÊNCIA NÃO CONFIGURADA. MANTIDA A DECISÃO RECORRIDA. AUTO DE INFRAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE. RECURSOS HIERÁRQUICO E VOLUNTÁRIO DESPROVIDOS.

- Diferença apurada em Levantamento Financeiro enseja a ocorrência de omissão de saídas tributáveis sem o pagamento do imposto, conforme presunção relativa contida na legislação de regência. 

Excluída parte do imposto apurado no Levantamento Financeiro, em razão da ocorrência de prejuízo bruto com mercadorias com substituição tributária, isentas e não tributadas, verificada na Conta Mercadorias, bem como a exclusão de valor referente a notas fiscais não lançadas, que não tinham identificação ou provas documentais de suas existências.

- Na acusação de omissão de saídas de mercadorias tributáveis, em relação a contribuintes optantes pelo regime de recolhimento do imposto pelo Simples Nacional, não comporta aplicação de alíquotas inerentes a este regime de tributação, e sim àquela aplicável às demais pessoas jurídicas, na forma prevista na Lei Complementar nº 123/2006.

- Afastamento da multa recidiva, ante a ausência dos requisitos legais para a sua aplicação.

 

Não obstante o fato de restar demonstrada a possibilidade de se exigir, de contribuinte enquadrado como Simples Nacional, ICMS em razão de omissão de receitas, vislumbro, no caso em tela, uma questão de essencial relevância que prejudicou o lançamento em sua integralidade, a saber: a técnica aplicada.

Em diversos momentos, o Conselho de Recursos Fiscais do Estado da Paraíba se posicionou pela admissibilidade da Conta Mercadorias como técnica de fiscalização válida para fundamentar a denúncia de omissão de receitas. É fato.

O aprofundamento das discussões nesta Casa, aliado ao aprimoramento e ao melhor embasamento das defesas administrativas, minaram a certeza anteriormente existente e exigiram uma mudança de entendimento quanto à matéria, ao menos por parte desta relatoria.

Imperativo salientarmos mais uma vez que o que se está a discutir não é a omissão em si, mas a técnica da Conta Mercadorias para contribuinte do Simples Nacional, pelo fato de a LC nº 123/06 se mostrar incompatível com o procedimento realizado pela auditoria.

Em tempo: para os demais contribuintes, a técnica revela-se plenamente eficaz, apropriada e dotada de validade jurídica para embasar a acusação. O alcance deste entendimento é, portanto, hermético, não autorizando ampliações para situações outras.

Noutras palavras, o que se está a buscar é a compatibilização da legislação estadual com a Lei Complementar nº 123/06.

Assim como recorremos à lei especial para justificar a possibilidade de aplicação da legislação afeta às demais pessoas jurídicas para os casos de omissão de receitas, também o fazemos para sustentar a imprestabilidade da técnica utilizada (Conta Mercadorias) para dar arrimo à acusação em comento.

É cediço que a LC nº 123/06 instituiu tratamento diferenciado para os contribuintes que se amoldarem às condições nela estabelecidas e fizerem opção por este regime diferenciado. Neste norte, a partir da inclusão do contribuinte na sistemática do Simples Nacional, o regramento especial passa a produzir efeitos para o sujeito passivo, assim como para o Fisco. Não se quer dizer com isso que os demais normativos não lhe sejam aplicáveis. O que se afirma é que se deve observar se a norma se harmoniza com a LC nº 123/06.

Posto de outra forma - e já adentrando no caso concreto -, para que se possa validar o procedimento fiscal que resultou na identificação de omissão de receitas, faz-se mister analisarmos se os procedimentos da Conta Mercadorias são compatíveis com o regramento especial.

Já destacamos alhures que a jurisprudência desta Corte respondera afirmativamente; todavia, esmiuçando a questão sob o prisma eminentemente jurídico, entendo necessária a reforma deste posicionamento.

O RICMS/PB, em seu artigo 643, §§ 3º e § 4º, disciplina que, no exame da escrita fiscal de contribuinte que não mantenha escrituração contábil regular devidamente registrada na Junta Comercial, para efeito de aferição da regularidade das operações quanto ao recolhimento do imposto, deverão ser utilizados, onde couberem, os seguintes procedimentos:

a)      Elaboração de Demonstrativo Financeiro, através do qual deverão ser evidenciadas todas as receitas e despesas, bem como a disponibilidade financeira existente em Caixa e Bancos, devidamente comprovada, no início e no final do período fiscalizado;

b)      Levantamento da Conta Mercadorias, caso em que o montante das vendas deverá ser equivalente ao custo das mercadorias vendidas (CMV) acrescido de valor nunca inferior a 30% (trinta por cento) para qualquer tipo de atividade, observado o disposto no inciso III do parágrafo único do art. 24.

 

Ao dispor acerca deste último procedimento, o RICMS/PB, ao estabelecer percentual (30%) a ser acrescido ao Custo de Mercadorias Vendidas, mostra-se claramente em dissonância com a sistemática estabelecida pela LC nº 123/06.

Importante destacarmos que o RICMS/PB é anterior à LC nº 123/06. Também convém salientarmos que, além de hierarquicamente superior àquele, esta última dispõe sobre matéria de conteúdo especial.

Destarte, sob qualquer princípio que se analise (hierárquico, cronológico ou da especialidade), deve prevalecer a LC nº 123/06, afastando-se o RICMS/PB, naquilo que se mostrar incompatível com a Lei Complementar.

O contribuinte enquadrado como Simples Nacional recolhe o tributo devido sobre o seu faturamento, em observância ao que estabelece o artigo 18, § 3º, da LC nº 123/06:

 

Art. 18.  O valor devido mensalmente pela microempresa ou empresa de pequeno porte optante pelo Simples Nacional será determinado mediante aplicação das alíquotas efetivas, calculadas a partir das alíquotas nominais constantes das tabelas dos Anexos I a V desta Lei Complementar, sobre a base de cálculo de que trata o § 3o deste artigo, observado o disposto no § 15 do art. 3º.

 

(...)

 

§ 3º Sobre a receita bruta auferida no mês incidirá a alíquota determinada na forma do caput e dos §§ 1º e 2º deste artigo, podendo tal incidência se dar, à opção do contribuinte, na forma regulamentada pelo Comitê Gestor, sobre a receita recebida no mês, sendo essa opção irretratável para todo o ano-calendário.

§ 3º Sobre a receita bruta auferida no mês incidirá a alíquota efetiva determinada na forma do caput e dos §§ 1º, 1º-A e 2º deste artigo, podendo tal incidência se dar, à opção do contribuinte, na forma regulamentada pelo Comitê Gestor, sobre a receita recebida no mês, sendo essa opção irretratável para todo o ano-calendário. (Redação dada pela Lei Complementar nº 155, de 2016)

 

Destarte, o contribuinte que apura e recolhe o tributo com base nos dispositivos acima reproduzidos, estará em situação regular quanto à obrigação principal à luz da LC nº 123/06.

A cobrança de tributos, por força do que estabelece o artigo 3º do Código Tributário Nacional, é uma atividade administrativa vinculada, não sendo possível ao auditor fiscal agir de forma discricionária.

Esta ressalva se faz necessária para explicar que, no caso em comento, não estamos afastando a aplicabilidade do artigo 643, § 4º, do RICMS/PB, tampouco deixando ao talante da autoridade fiscal a possibilidade de “escolher” quando utilizá-la. Uma análise mais atenta do dispositivo citado nos permite concluir que a solução para a questão extrai-se do § 4º do referido artigo. Vejamos:

 

Art. 643. No interesse da Fazenda Estadual, será procedido exame nas escritas fiscal e contábil das pessoas sujeitas à fiscalização, especialmente no que tange à exatidão dos lançamentos e recolhimento do imposto, consoante as operações de cada exercício.

 

(...)

 

§ 3º No exame da escrita fiscal de contribuinte que não mantenha escrituração contábil regular devidamente registrada na Junta Comercial, será exigido o livro Caixa, devidamente autenticado pela repartição fiscal do domicílio do contribuinte, com a escrituração analítica dos recebimentos e pagamentos ocorridos em cada mês.

 

§ 4º Para efeito de aferição da regularidade das operações quanto ao recolhimento do imposto, deverão ser utilizados, onde couber, os procedimentos abaixo, dentre outros, cujas repercussões são acolhidas por este Regulamento:

 

I - a elaboração de Demonstrativo Financeiro, através do qual deverão ser evidenciadas todas as receitas e despesas, bem como considerada a disponibilidade financeira existente em Caixa e Bancos, devidamente comprovada, no início e no final do período fiscalizado;

 

II - o levantamento da Conta Mercadorias, caso em que o montante das vendas deverá ser equivalente ao custo das mercadorias vendidas (CMV) acrescido de valor nunca inferior a 30% (trinta por cento) para qualquer tipo de atividade, observado o disposto no inciso III do parágrafo único do art. 24. (g. n.)

 

Partindo do princípio de que a lei não contém palavras inúteis, a expressão “onde couber” indica que os procedimentos previstos nos inciso I e II do § 4º do artigo 643 do RICMS/PB não são obrigatórios para todo e qualquer exame da escrita fiscal de contribuinte que não mantenha escrituração contábil regular.

Este comando, portanto, não é taxativo e não vincula o auditor fiscal a adotá-los em todas as situações, mas somente nos casos em que “couberem”.

O contribuinte enquadrado como Simples Nacional, como já demonstrado, possui características e regramento próprios, o que o coloca em situação especial, não permitindo a utilização de margem de lucro presumido para fins de surgimento da presunção juris tantum de omissão de receitas.

Na LC nº 123/06, não há qualquer exigência neste sentido para fins de tributação. Apenas no inciso X do seu artigo 29 consta uma referência ao lucro bruto – ainda que de forma indireta -, contudo para efeito de exclusão do regime.

 

Art. 29. A exclusão de ofício das empresas optantes pelo Simples Nacional dar-se-á quando:

(...)

X – for constatado que durante o ano-calendário o valor das aquisições de mercadorias para comercialização ou industrialização, ressalvadas hipóteses justificadas de aumento de estoque, for superior a 80% (oitenta por cento) dos ingressos de recursos no mesmo período, excluído o ano de início de atividade;

 

Somente depois de excluído do Simples Nacional, o Fisco está autorizado a lançar mão da Conta Mercadorias – Lucro Presumido para aqueles que não detenham escrita contábil, o que não implica dizer que o contribuinte, enquanto enquadrado na sistemática da LC nº 123/06, esteja “blindado”. A fiscalização tem o poder-dever de verificar a regularidade das operações do contribuinte, utilizando-se, para tanto, dos demais recursos de que dispõe para cumprir o seu mister.

Diante de todo o exposto, resta-me improceder a denúncia de omissão de saídas de mercadorias tributáveis – Conta Mercadorias.

Destarte, feitos os ajustes necessários, o crédito tributário efetivamente devido pela recorrente evidenciou-se conforme a planilha abaixo:

 

 

 

AUTO DE INFRAÇÃO

VALOR CANCELADO

CRÉDITO TRIBUTÁRIO DEVIDO

DESCRIÇÃO DA INFRAÇÃO

PERÍODO

ICMS (R$)

MULTA (R$)

ICMS (R$)

MULTA (R$)

ICMS (R$)

MULTA (R$)

CRÉDITO TRIBUTÁRIO (R$)

FALTA DE RECOLHIMENTO DO ICMS

jun/11

197,72

296,58

0,00

148,29

197,72

148,29

346,01

set/11

46,14

69,21

0,00

34,60

46,14

34,61

80,75

fev/12

84,58

126,87

0,00

63,44

84,58

63,43

148,01

abr/12

26,00

39,00

0,00

19,50

26,00

19,50

45,50

OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS   TRIBUTÁVEIS - C0NTA MERCADORIAS

01/01/2011 a 31/12/2011

62.379,81

62.379,81

62.379,81

62.379,81

0,00

0,00

0,00

01/01/2012 a 31/12/2012

96.591,24

96.591,24

96.591,24

96.591,24

0,00

0,00

0,00

TOTAIS (R$)

159.325,49

159.502,71

158.971,05

159.236,88

354,44

265,83

620,27

 

 

Com estes fundamentos,

 

VOTO pelo recebimento do recurso voluntário, por regular e tempestivo e, quanto ao mérito, pelo seu desprovimento, contudo, em observância ao princípio da legalidade, reformo, de ofício, a decisão singular e julgo parcialmente procedente o Auto de Infração nº 93300008.09.00000561/2016-11, lavrado em 28 de abril de 2016 em desfavor da empresa IVO NUNES OLIVEIRA, condenando-a ao pagamento do crédito tributário no valor total de R$ 620,27 (seiscentos e vinte reais e vinte e sete centavos), sendo R$ 354,44 (trezentos e cinquenta e quatro reais e quarenta e quatro centavos) de ICMS, por infringência ao artigo 106, VIII, do RICMS/PB e R$ 265,83 (duzentos e sessenta e cinco reais e oitenta e três centavos) a título de multa por infração, com fulcro nos artigos 16, I, da Res. CGSN nº 30/2008; 87, I, da Res. CGSN nº 94/2011.

Ao tempo que cancelo, por indevido, o total de R$ 318.207,93 (trezentos e dezoito mil, duzentos e sete reais e noventa e três centavos), sendo R$ 158.971,05 (cento e cinquenta e oito mil, novecentos e setenta e um reais e cinco centavos) de ICMS e R$ 159.236,88 (cento e cinquenta e nove mil, duzentos e trinta e seis reais e oitenta e oito centavos) de multa.

Intimações na forma regulamentar.


  

Segunda Câmara de Julgamento. Sala das Sessões Pres. Gildemar Pereira de Macedo, em 5 de abril de 2019.

 

                                                                                                                                         Sidney Watson Fagundes da Silva
                                                                                                                                                   Conselheiro Relator 

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